nisso,
Felipe Neri de
Carvalho e Silva deverá também ser tratado como um aristocrata de um tempo em
transição. Tudo que queiram relatar sobre ele e sua esposa, a baronesa de
serra branca, nascida Belisária Lins Wanderley, parece sempre nos
remeter a um passado de desenvolvimento – porém não de progresso ilimitado.
Ativos abolicionistas esta incomum senhora e seu marido, libertando seus cativos naquela data com eles ceiou, os servindo à mesa, em touca e avental, como sempre fora servida. Isso em 1880 – 5 anos antes da abolição municipal e 8 anos antes da Lei Áurea – isto é fato
narrado e documentado, por todos em Assu conhecido.
(...)
O final do século XIX foi marcado por uma retomada dos valores da imaginação positivista, ondas dessa renovação social varrem quase toda opressão do novo continente, a procurar novas
revoluções no campo das ideias, isso, foi nisso, realçando as formas de convivência social.
(...)
Para Felipe "a caligrafia é a maior arte humana!" (assim ele escreveu na primeira página de um breviário), e por isso repassava essa arte ele mesmo, aos parentes, auxiliares, e ao próprio pequeno filho. Ele que, de modesta família de agricultores, alçou vôo na engenharia social e comercial. Ele que fez das letras seu capital ao futuro pecuarista, influente político, convicto abolicionista.
Ele que também cantava e tocava sua rabeca, de sua aberta sacada, para todos na praça ouvir!
E foi também Belisária uma sensível e atenta personagem, para além das amarras de sua época. Tão simples e devotada aos seus familiares e amigos. Vestida com modéstia e com a caridade estampada nos atos.
(...)
Seu baú de lembranças guardou essa sua cultura pessoal. Um relicário de seu discreto afeto cotidiano...
Tenho ainda na
lembrança, era já 1987 e pude sentir este depositário de suaves caprichos tão
femininos e universais. Rendas e gabaritos para essas prendas de engenhosa manufatura, com ingênuos
motivos de pássaros e flores; vidros e vidrinhos de fragrâncias perdidas com o lento passar dos
anos; o caderno das primeiras letras caligráficas do seu filho Silvestre
(repare no nome, aluda!); um retratinho dele guardado numa trabalhada caixinha de
madeira e veludo; algumas cartas que ele mandava para o pai do Rio de Janeiro onde
estudava. Gravatas do marido, lenços nonografados.
Cartas e cartões-postais de amigas. Travesseiros pequenos de seda bordados e ainda cheios com plumas; esses são mimos indestrutíveis, souvenirs de seus recatados e melodiosos dias, e até um chumacinho de cabelos com uma fita dando laço... Talvez da cabeça desse filhinho almejado.
O tempo recolhe. Também o tempo
escolhe.
Aquele baú, obra de engenho minucioso, peça de arte conceitual, mesmo
tumba de cultura individual sedimentada, estava enfim na calçada da praça, expulso de seu
sobrado onde ficou tantas décadas escondido e precariamente conservado. Já em parte tragado
pelas traças e cupins, foi por mim encontrado e na calçada mesmo saqueado e depois, o que lá restou, devorado pelas outras chamas do acaso, virado um lixo inevitável.
No lamentável do descaso sistemático.
Jovem eu era, contudo, pude reconhecer um chamado a conservar – porém jovem demais eu era e por isso não capturei bem mais desses guardados...
(...)
É,
em tudo isso, com posto numa balança, o peso da arte não engana. Imagino aquela mulher acumulando sua existência
naquela mala de couro brochiado, uma história, à cultura secular – e fico lembrando do desenrolar dos fatos cruciais de sua
época. Relendo Emily Dickinson e suas caprichosas notas enigmáticas; João Lins Caldas e
suas horas de poesia e centenas de livros perdidos, Marcel Duchamp e seu conceitual museu de acasos... Alinho num todo as novas tecnologias de informação e mensagem para o trato cultural e criativo e sei: a memória é
uma coisa do futuro e besta é a soberba humana de eternidade – a história mesmo, se esvai. A arte é uma charada mensageira ao humano e não
se engane, a arte é para todas as pessoas... Em definitivo.
Veja!
"Felipe Neri de Carvalho e Silva - agraciado com o título (Decreto de 19.08.1888, Princesa Isabel) de Barão de Serra Branca. Nasceu
em 02.05.1829 em Santana do Matos - RN e faleceu em 16.06.1893,
nos arredores da cidade de Caicó-RN, vindo de uma viagem a Juazeiro do
Norte-CE, onde visitara o Padre Cícero. Está sepultado no cemitério da cidade de
Assu-RN. Filho de Antônio da Silva de Carvalho (nascido a
13.01.1784 e fal. a 09.08.1877) e de Maria da Silva Velozo (nasc 23.12.1799 e
fal. 18.05.1870), casados em 26.02.1827. Como político, financiava
eleições e foi eleito Deputado Provincial por duas vezes, nos biênios
de 1878/79 e 1880/81. Tenente Coronel da Guarda Nacional. Abolicionista
legítimo, libertando todos os seus escravizados sem qualquer condição no dia 30 de
março de 1880. Casou-se com Belisária Wanderlei, Baronesa de Serra
Branca, nascida a 13.10.1836 em Assu-RN e falecida a 13.04.1933
em Natal-RN, filha do Cel. Manoel Lins Wanderlei e de Dona Maria
Francisca da Trindade. O casal não teve descendentes, adotou um filho que faleceu aos 21 anos. Ainda sobre o Barão
de Serra Branca. Era o tipo tradicional do patriarca risonho. Contava o bisavô do colaborador Lauro Antonio Bezerra de Assunção que ele costumava se
sentar e reunir ao seu redor todos os "escravinhos" pequenos para que ele tocasse
e cantasse para a alegria de todos. Em 19 de agosto de 1888, a Princesa Regente
D. Isabel, assinou o decreto fazendo de Felipe Néri de Carvalho e Silva, Barão
de Serra Branca, no Gabinete Ministerial do Conselheiro João Alfredo. Prestando
o seu juramento no dia 24 de outubro de 1888."
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